A primeira vez.
“Quando foi a ultima vez que fizeste algo pela primeira vez?”Detesto esta frase. Ouço-a vezes sem conta, repetida em emails, locuções de rádio e rodapés de revistas, como a voz de um amigo afastado que de repente se lembrou de nós e decidiu expressar cuidados. Ainda que discreta, quer meter-se na nossa vida. É uma frase que entrou na sociedade. Pretende medir-nos o ímpeto e os níveis de radicalidade. Isso mesmo. É uma frase que vai bem com a palavra "radical". Disfarçadamente, manda-nos levantar o cú da cadeira e aventurar-nos em cordas e desfiladeiros de emoção. Há mesmo quem se atreva a dizer que se não experimentamos coisas novas todos os dias, é porque estamos a ficar velhos. Como se dormir numa tarde de Domigo em vez de irmos encharcar-nos num bote de rafting nos confins das águas de um rio nos pusesse uma década nos ombros... Eu não concordo.
Por acaso eu gosto de aventura. Sei o que é cannyoning e rappel australiano. Já fiz paintball e levei com uma "ball" num olho. Já entrei em grutas e mergulhei nas rochas. Já estudei epistemologia e entreguei o IRS numa repartição das finanças. Mas confesso que esta frase me tem incomodado...
Então decidi aumentar os níveis de adrenalina. Senti que era preciso agir.
Podia ter desafiado a gravidade, saltar em bungee-jumping ou atirar-me de um avião. Podia ter experimentado kite-surf, long-surf, ou tele-surf. Podia ter-me inscrito em parapente, asa delta ou outras manobras aéreas que tantas escolas e sites prometem. Mas não. Decidi abrir um blog...
Abrir um blog não é lá grande coisa. Ou melhor, não é grande acontecimento. Hoje em dia, toda a gente abre um blog. Não é preciso pagar, os pais não assinam, nem é preciso abanar nem seguir o livro de instruções. Muito mais fácil que pedir aos pais para sair quando temos dezoito anos. A gente inscreve-se, e depois tem-se.
O que me chateia nos blogs é a ausência de abstracção. A malta escreve, mas pede sempre algo em troca. E não estou a falar de apoio no estilo ou cuidados literários. Não. Estou a falar do desejo de feed-back, da sede de respostas e comentários aprovadores que os bloggers esperam e pelos quais quase sempre desesperam. Se bem que o despejo das profundezas da alma seja algo de comum nos blogs( em que se ignoram regras ou fronteiras dos limites de bom senso ) , as linhas aprovadoras de amigos extasiados é coisa que ninguém dispensa. Confunde-se o gosto da criação pessoal com o entusiasmo da admiração colectiva.
Pois eu tentarei escrever pelo gosto da escrita. Gostava de poder ignorar a necessidade de afirmação ( que também tenho, pois claro...). Não queria depender de ânsias de feed-back, ter sede de comentários ou outros reconhecimentos que alimentam o ego. Farei deste blog o meu diário digital, em que entro devagarinho evitando calcar a esponja da atenção alheia. Porque um blog é um acto de satisfação e não um exercício de compensação. No fundo, gostava que este fosse...apenas o meu cantinho. Até..porque não mereço muito mais do que isso.
Será possível? A ver vamos.
2 Comments:
E fizeste muito bem, diria eu!
Continua e dá largas à tua criatividade...
Já sabes que quando um homem sonha, o mundo pula e avança como uma bola colorida nas mãos de uma criança.
Abraço
Eugénio Rodrigues
Mereces nem mais nem menos aquilo que semeias,pois cresce e depois colhes,não é mais que,nem menos que,é a TUA dose.
Definindo-te:
e o teu olhar
revela
muito carinho,mas mesmo muito carinho que se protege deste fogo cruzado que é dar-se a conhecer a alguém
tens bom fundo Nuno Pereira.
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