Friday, June 16, 2006

Conversas de cabeleireiro

( Dedicado a uma pessoa conheço que tem nome começado por M. )

- Milucha, chegue-me aí a minha carteira que tenho o telemóvel a tocar! Eu seguro-lhe no secador!
- Qual...a preta?
- Sim! Rápido! Ah...deixe estar, desligaram.
Era desconhecido...quem seria?
- Talvez fosse engano, Estela.
- Não, não era. Tenho andado a receber umas chamadas estranhas, alguém quer falar comigo. Talvez a pessoa não tenha coragem.
- Não pense nisso, Estela! São coisas que acontecem.
- Não! É alguém que precisa da minha ajuda! Sempre tive na vida pessoas a precisar de mim. Até no liceu, sabe, aqueles que não se inseriam no grupo, amigos que a malta punha de parte, vinham sempre ter comigo. Devo inspirar confiança, ou ter uma personalidade apelativa, não sei...
- Talvez. Então aproveite esse dom!
- Aproveito sim! Até o meu “ex” dizia que sentia uma determinada aura à minha volta, que notava algo diferente em mim. Por isso sei que sou uma pessoa especial!
- Ai sim? Que bom! Por falar nisso, como vai o Francisco?
- Francisco? Não, Diogo. O Francisco já era.
- Diogo? E o Francisco, não se entenderam?
- Não. Eu era boa demais para ele. Foram 6 meses a aturar uma personalidade inconstante.

- Estela, olhe que você também tem o seu feitiozinho...
- Pois tenho. Bom demais para alguns homens. A maior parte não me merece.
- Bom, se pensa assim...
E como vai o seu menino? Não foi do Francisco que você teve um filho?
- Sim, foi. Mas desde que mudei de casa ele raramente vem vê-lo.
- Ah, você já não está com os seus pais?
- Não! O meu pai ofereceu-me um andar! Quer dizer...não ofereceu, alugou um T2, e dá-me uma ajuda na renda.
- Ah sim? Mas isso é óptimo!
- É verdade. O meu pai adora-me. Fui a primeira dos três irmãos a sair de casa. Ele ainda não tinha feito isto a nenhum. Fui agraciada!
- Mas você da ultima vez tinha dito que a situação em casa dos seus pais estava complicada... que depois do seu aborto eles nunca mais a trataram da mesma maneira, muito pior quando esse filho nasceu. Não quiseram ver-se livre de si, não?
- Nem pense nisso! Eles só querem o meu bem estar! Fizeram questão que eu saísse para ficar à vontade em relação às pessoas que meto em casa, horas de entrada e saída, para dar a educação ao meu filho que desejo – para educá-lo à minha maneira. Foi o que eles disseram!
- Hummm...estou a ver. Uma vida complicada, a sua.
- Não acho! Penso que tudo tem corrido bem. Olho para trás e reconheço que os astros têm estado a meu favor! Por falar nisso, passe-me aí a revista. Quero ver o horóscopo.
- Horóscopo? Você acredita nisso, Estela?
- Claro que sim! A Milucha não?
- Nem por isso. Sabe, tenho uma cliente jornalista que me diz que as páginas do horóscopo são uma farsa. Os jornais têm uma pasta com imensos textos de previsão de horóscopo, e que vão pondo aleatoriamente nas suas páginas. Sabe, aquela linguagem é universal...”cuide da sua saúde, preze a família...etc.” Vale para todos!
- Não! Comigo não! Comigo, os astros nunca se enganam. Já fiz muita coisa na vida baseada na orientação dada pelo meu ascendente! Posso dar-lhe um exemplo: uma vez li na Máxima “Hoje encontrará o amor da sua vida. Não despreze um carinho ou um olhar de interesse.” E acredita que foi nessa mesma noite, num bar, que comecei a namorar?
- Com o Francisco...
- Sim, com o Francisco.
- Certo...
- Chegue-me lá a revista para ver o que me diz o signo hoje! “Devido à sua natureza impulsiva hoje terá um dissabor profissional. Tente manter a calma em situações de stress. Alimente-se à base de fibra, isso ajudá-la-á a manter o equilíbrio. Seja amiga apenas de quem é seu amigo.”
Viu? Hoje mesmo tive uma chatice com o chefe da minha loja! Isto por ter passado um cliente a um colega que merece. Estas previsões nunca falham!
- Estela, essa revista é de Abril...
- Não interessa! O zodíaco é sempre certeiro! O meu caranguejo com ascendência de tigre é o meu melhor amigo. Ou talvez funcione por eu ser uma pessoa privilegiada, sei lá...
- Mas conte-me lá, Estela, quem é esse Diogo?
- Ah, uma pessoa maravilhosa! Trata-me como ninguém. Diz-me e faz-me coisas que nunca nenhum homem me fez. Outro dia passou a noite em claro para me levar os meus queques preferidos ao pequeno almoço. Tocam-me à porta às 7:45, era ele! Imagine, queques de laranja logo de manhã! Um amor! O Francisco nunca me fez isso...
- Há quanto tempo namora com ele?
- Há uma semana e meia. Mas tenho a certeza que é o homem da minha vida... Ama-me como ninguém! Também, ele sabe que vale a pena lutar por uma pessoa como eu...
- E em relação ao Francisco? Nunca mais o viu?
- Sim, encontramo-nos frequentemente. Ele não quer saber do filho, mas não consegue passar muito tempo sem me ver. Sei que ainda me ama...
- Mas, então porque acabou com ele?
- Ah, a situação tornou-se insustentável. O meu coração não batia, não sentia desejo nos olhos dele. Foi melhor terminar.
- Você tinha-me falado que desconfiava de outra pessoa pelo meio...
- Sim, mas isso não deu em nada. Ele gosta é de mim, não consegue esquecer-me. Aliás, pouco tempo antes de acabarmos, vi na porta do carro dele uma saca de uma ourivesaria com uma caixinha lá dentro. Numa bomba, abri-a enquanto ele abastecia, e dei com um anel de comprometido a dizer “Amo-te M”. Era lindo!
- “Amo-te M”...? Esse anel era para si?
- Claro que sim! Para quem podia ser? Aliás, o dia dos namorados estava perto.
- Como se chama a pessoa de quem você desconfiava?
- Filomena.
- Então, não seria “M” de Mena?
- Não, era “M” de Mendes. Eu chamo-me Estela Patrícia Sousa Mendes. Foi um acto bonito da parte dele. Não sei como não chegamos a entender-nos.
- Certo...
- Sabe, Milucha, sinto que algo de bom está para acontecer. Hoje, ia a comer a sobremesa, levantei a tampa do meu iogurte Danone com pedaços de macadamia, e tinha uma mensagem lá dentro. “ O brilho natural que a sua alma irradia iluminará o seu caminho.” Não é bonito, isto? Fico contente pelo universo cuidar de mim e me brindar com estes sinais constantes! Tudo à minha volta me diz que vou ser feliz! Não sente o mesmo, Milucha?
- Sim...sem dúvida, Estela.
- Deixe cá ver o telemóvel. Vou ligar à pessoa que me tentou ligar há bocado. Quero agraciá-la com a dádiva da minha voz. Sei que vai ficar radiante por me ouvir!
- Olhe que é 91, Estela...
- Não faz mal!
..........
- “Sim, está lá? Boa tarde, daqui fala a Estela, há pouco tentou ligar-me, deve precisar falar comigo...
Sim, Es-te-la...Não, não sou telefonista, sou lojista. Não, não conheço nenhum Sr. Abílio...nem trabalho na firma “Fechaduras Castidade...Ok, certo...tenha uma boa tarde."

- Raios, era engano! E vai uma pessoa gastar dinheiro com estas merdas!

3 Comments:

At 8:01 am, Blogger RealSmile said...

lol
e viva a (hiper) auto-estima!
;)*

 
At 10:35 am, Blogger Pierrot said...

Nem me fales em barbeiro e afins...
As secas que uma pessoa lá apanha.
E o espancamento de temas que o barbeiro-cabeleireiro nos impinge...
Minha nossa.
Bem apanhado
Abraço
Eugénio

 
At 5:49 am, Blogger Maria São Miguel said...

Miúdoooooo... Parabéns pelo texto! EXCELENTE!!!!! ADOREI!
PARABÉNS ESPECIAIS PELO DIA DE HOJE 28 jUNHO :) Felicidades Miúdo *****

 

Post a Comment

<< Home