Thursday, August 31, 2006

Diz se me amas.

Diz se me amas, Pureza. Já não digo palavrões, deixei de fumar por tua causa, só falta dizer se me amas. Nunca pensei que viesses alterar tanto a minha vida, que fosses fazer-me levantar antes das 10 para ir olhar os pombos da praça como se fossem eles os guardiões dos teus íntimos segredos, sem coragem para os interrogar sobre o que na realidade sentes por mim.
Os meus amigos perguntam-me pela barba de sempre, apalpam-me os bolsos para ver se trago moedas falsas e beatas partidas, disseram que Domingo o Vigorosa joga em casa com o Santarém e que vai haver jantar a seguir, e eu que nem como, e eu que nem durmo, eu que só penso em enfrentar-te num dia de chuva para que não se notem as lágrimas caso ouça a verdade que eu julgo ser a verdade e perguntar se me amas, se me queres, se não te importas do meu cabelo ruivo e das mãos enormes que morrem por te abraçar.
Não gosto de andar assim sózinho à beira mar, de comer o arroz grão a grão enquanto afasto as ervilhas para a beira do prato e as alinho num P, murchas e desconfiadas, sem saber se conseguem representar com o máximo de fidelidade a beleza que vejo no teu nome.
Diz se me amas, Pureza! Sei que ainda não arranjei trabalho, que não sou o homem que queres para a vida, mas a verdade é que não consigo sequer encontrar o caminho para casa! Não te peço em casamento, nem que vivamos juntos...o que quero é que digas se me amas, que digas se me queres, para matar esta agonia que me aliena a mente e me deixa tardes inteiras a pensar calado.
Uma noite para mim não chega: saíste cedo demais quando o relógio bateu as horas da nossa escassa meia-noite e carregaste as trevas do céu ao dizer que o meu hálito não cheirava a mim. E eu que só tenho olhos para ti, e eu que imaginei as nossas almas entrelaçadas até de manhã, eu que abracei a tua cintura e te beijei no umbigo quando te puseste em frente a mim e me disseste, comigo sentado no sofá, “até sempre”, e me fizeste correr até à porta atrás de ti, os teus passos decididos a agredir o soalho, e depois à janela para ouvir o teu carro interromper o murmurar dos grilos a arrancar desenfreado em guinchos de areia em mosaico...

Diz se me amas, Pureza. Diz se me amas...

A vida não faz sentido sem ti, o sol envergonha-se mesmo estando nós em Agosto, a rádio só passa romance... e eu que detesto romance. É verdade que o amor é uma coisa lamechas, mas a gente precisa dele! E eu amo-te de verdade. Agora que comecei a tomar banho dia sim dia não, agora que troquei A Bola pelas Selecções e sei o que é o Delta do Nilo, agora que aprendi a escrever poemas de amor a que desdenhosamente chamas rascunhos, podias devolver-me a serenidade que tinha antes de saber quem tu eras, Pureza, eu que já estou arrependido de ter saído aquela tarde para comprar envelopes na loja onde trabalhas, eu que já estou arrependido de te ter convidado para tomar café nessa noite, eu que sei que há momentos na vida que se a gente pudesse apagar da memória e submeter aos ponteiros de um relógio avariado que pusesse o comboio dos dias a andar para trás até à estação anterior, era isso que tinha feito, Pureza, eu que tenho saudades de ser eu, eu que tenho saudades de dormir de braços abertos sem a cabeça no meio deles, eu que tenho saudades de ser feliz, sim feliz, que isto de um amor enganado não serve para nada a não ser para trazer chatices e nos deixar suspensos na corda da indecisão que mais tarde ou mais cedo rebenta e nos estatela no chão como um vaso partido acabado de cair da janela.

Podes dizer se me amas, Pureza? Ao menos isso, diz se me amas...

Friday, August 25, 2006

Sexo com *didascália

- Depressa! Tira a luva de cima do candeeiro, está a derreter!
- Puxa, acontece sempre alguma coisa nestas alturas... Dá-me cá uma ajuda! ( *Virgínia estica-se para alcançar a lâmpada do candeeiro da sala e retirar uma luva quase em chamas )
- Não precisas de ser tão expressiva nos teus movimentos! Podes dançar sem atirar a roupa para longe!( *Edgar fala sem tirar os olhos da lingerie da mulher.)
- Tenho vontade de me soltar, sabes! Sinto-me tão absorvida pelo trabalho que quando me liberto exagero! Acho que estou a precisar de me divertir. Quando foi a ultima vez que pus a musica a tocar para ti desta maneira?
- Também não me lembro! Sei que te pedi algumas vezes nas ultimas semanas (*Edgar vibra com as palavras de Virgínia enquanto lhe percorre o corpo com pupilas dilatadas ) mas quando entras na porta de casa quase vais directa para o quarto!
- Pois, acho que tens razão. Não interessa! Hoje sou toda tua! Vamos aproveitar o momento!
- Gostas das coisas que comprei? ( *Virgínia passa com as mãos pelas ligas e outras peças que comprou na sexshop. )
- Claro que gosto! Acho que nunca te vi tão sexy! Compraste-as de propósito para mim?
- Claro! Não podia deixar passar esta data em branco.
- És um anjo! Continua a tua dança! Mostra-me o que vales!
(*Virgínia recomeça a sua coreografia. Edgar reclina-se no sofá... )
- Este aroma a gengibre, compraste na mesma loja? ( *Edgar interrompe Virgínia para esconder a tensão...)
- Gengibre? A empregada disse-me que era Biloba, um afrodisíaco chinês!
- A mim só me cheira a gengibre...
- ( * Virgínia senta-se no colo de Edgar e põe-lhe as mãos à volta do pescoço. )
- Ai, esqueci-me do fogão ligado! Desculpa amor! Estou a fazer o almoço para amanhã e nunca mais me lembrei... ( *Virgínia salta do sofá e corre para a cozinha em sapatos de plataforma. )
- Ah, daí o cheiro a gengibre...(*Virgínia está de volta ) Isso de comeres na firma faz-te perder tanto tempo a cozinhar. Sinto que as nossas noites ficam tão curtas...
- Pois, amor, é para poupar no orçamento. Sabes que a vida está complicada...
- Ok, deixa lá isso. Chega-te aqui! Hoje não me escapas! ( *Virgínia e Edgar entrelaçam os braços novamente. )
- Espera, Edgar....deixa-me só pôr uns dossiers da mala senão esqueço-me de os levar para a firma.
- Virgínia, não podes fazer isso depois?
- Desculpa paixão...sabes como é o meu senso de responsabilidade. É só mesmo um instantinho!
- Ok. Põe-te então outra vez no meio da sala. Quero ver-te dançar para mim! Mostra-me agora o que vales! ( *Edgar aperta as almofadas enquanto assume posição de espectador. )
- Ok ! Chego já até ti! Vou fazer a estrada do amor. Quando te tocar vais estar a ferver! (*Virgínia começa a desabotoar o corpete enquanto caminha até Edgar lentamente. Som de porta a ranger.)
- Pedro, que estás aí a fazer? Raios, Edgar, não tinhas ido deitar o miúdo? ( * criança olha para a mãe de olhos esbugalhados. )
- Pedro, eu não te mandei ir para a cama? ( *criança foge pelo corredor ) Eu já o tinha deitado, amor, mas ele põe-se a jogar Playstation! Esta criança é tão desobediente..
- Será que ele me viu nestes propósitos?
- Não me parece. Ele quase nem abriu a porta.
- Ok, estamos sós novamente. Vá, dança para mim! Mostra-me o teu glamour, a tua sensualidade! Quero que soltes a fera que há em ti! (*Edgar arregala os olhos. O miúdo, no quarto, ainda os tem arregalados )
- Sim, meu leão! Vou-te mostrar o que significa a palavra selvagem! Gruuaauuurrr! ( *Virgínia volta-se e dirige-se novamente à cozinha de corpete aberto e liga enrolada no joelho.)
- Então?
- Espera. Deixa-me só ir meter a cebola picada no tacho. Deve estar quase... (*Edgar coça a cabeça... Virgínia regressa... Edgar ainda coça a cabeça.)
- Essa pintura no ombro é tatuagem?
- Tatuagem? Que tatuagem? (*Virgínia tira da pele meia figura de Tartaruga Ninja ) Ah, tive na casa de banho a raspar os autocolantes que o Pedro colou no azulejo. Devo ter ficado com isto agarrado.
- Anda cá que eu tiro. Engraçado... até ficava sexy!
- Eu vou-te mostrar o que é ser sexy! A comida já está pronta, agora a noite é só nossa! Anda cá meu Dartacão! Vou-te desembainhar a espada! ( * Edgar olha para a espada transformada em punhal... )
- Olha lá, tu pões cebola com gengibre no refogado? A minha mãe tinha-te dito que era melhor com alho... (*Edgar divaga enquanto o instrumento afia )
- Sim, ponho alho. Cebola tinha posto no estrugido. Mas que interessa isso? Agora vais ser só meu!
- Sim! Quero-te possuir! Dá-me cá essas mãos de fada, quero beijá-las! Sabes como eu gosto das tuas mãos! (*Edgar beija as mãos da mulher do cotovelo até às unhas ) Hmmm....que cheirinho a pele, que cheirinho a mulher, que cheirinho a cebola...Sabes que esta mistura de aromas está a dar-me a volta à cabeça?
- Ainda bem! Para isso é que estou aqui! Quero que este aniversário de casamento se torne inesquecível!
- Olha, que é esta coisa branca na tua unha?
- Ups! É alho. Ficou agarrado. Viste? Podes dizer à tua mãe que lhe sigo os conselhos. É a prova que o usei!
- Ok...vamos esquecer essas coisas! Vamos esquecer tudo! Esta noite, quem te vai provar sou eu! (*)